quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Temor

Desce a ladeira 
a mulher
que nada teria a temer
não fosse a sombra
na escuridão
perto da árvore.


Desce a ladeira
a mulher
a tremer
tamanho o frio
que lhe causa o temor.

fixa seu olhar na sombra
como quem se impõe
(a despeito do temor)

reconhece-o
e desce a ladeira
em passos mais apressados
a mulher
a temer
um homem.

[Escrevi esse poema há aproximadamente dois meses, em um dia que me senti muito ameaçada por um homem. Hoje o publico em memória de Lucía Pérez e de todas as vítimas de violências praticadas contra as mulheres.]

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Nascimento De Um Poema

[Poema dedicado ao Samuel em nosso aniversário de quarto mês de namoro. Amo te namorar.]


Em uma das mãos
a caneta
A ponta desliza
suavemente
por todo espaço
branco do papel

Na outra mão
o corpo dela
Os dedos deslizam
sobre a pele
arrepiada

Ele a conhece
descreve interpreta traduz
em palavras

Êxtase e gozo
o momento exato
do prazer
entrelaçam as mãos
o poeta e a musa
Se pertencem.

[Pâmela Bastos Machado]

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Sobre nossos atrasos

                                   Para Samuel Medina

Tenho um relógio que atrasa a hora

Da sua vinda
Do nosso reencontro

Pensei em jogá-lo fora
Quando ele despertou me alertando
“Posso ser útil para adiar as despedidas”

Desisti.
Desde então só o consulto
Quando estamos juntos.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O Ladrão de Nomes

Estávamos em uma Kombi branca com gente o bastante para ocupar todos os seus bancos, mas só consigo me lembrar de três: eu, meu tio e o “ladrão de nomes”. Aos quatro anos, eu era uma criança pouco comunicativa, chorona e brava – especialmente com quem eu não conhecia - embora estivesse sempre cercada de muita gente. Os amigos de meus pais costumavam passar muito tempo com minha família, em casa ou nas viagens. Aprendi a gostar da companhia deles, eram meus tios do coração. Naquele dia, entretanto, havia um entre eles que ainda era desconhecido para mim. Seu nome era Magela, muito alegre e divertido na opinião dos adultos ali presentes, muito chato e inconveniente na opinião da criança que eu era. Ele tentou conversar comigo e chamar minha atenção utilizando de todo o seu repertório de brincadeiras na tentativa de me fazer sorrir, mas eu não achava graça em nada do que aquele senhor falava e fazia. Não satisfeito e muita sagaz, ele foi cruel ao dar sua cartada final. O senhor desconhecido propôs uma troca de nossos nomes que foi rejeitada por mim rapidamente. Ele insistiu, tomou a decisão e executou a troca como num passe de mágica, antes mesmo que eu pudesse pensar num modo de me proteger. Daquele dia em diante, ele se chamaria Pâmelo e eu Magela. Sim, estava feito. Ele trocou nossos nomes sem o meu consentimento, roubou minha palavra. Era um ladrão de nomes. Eu argumentava enquanto ele dizia não ter mais jeito. Me senti perdida, angustiada, em busca das letrinhas na tentativa de recuperar o nome que o papai me deu.
Em meio aos soluços e lágrimas, imaginei o que seria viver sem ser a Pâmela. Mamãe sempre me dizia que sem o chapeuzinho no “a”, meu nome seria Pamela, com a mesma sonoridade de “panela” e eu nunca me esquecia de dizer isso às pessoas que perguntavam como eu me chamava. Será que o “ladrão de nomes” se lembraria disso? Colocaria o chapeuzinho em seu devido lugar ou o deixaria guardado no armário? Papai me ensinou que Pâmela significa “doce como mel” e embora eu não revelasse minha doçura a todos, aprendi a gostar do meu nome desde a primeira vez que o ouvi e ainda hoje acredito no poder que esta palavra exerce sobre mim.  
Não tendo mais argumentos que convencessem o Sr.Pâmelo, caí em prantos, inconsolável. Era um choro alto, de perda e de luto. O significado de Magela eu desconhecia e nenhum chapeuzinho ele tinha, o que me fazia sentir mais perdida. Em poucos minutos ouvindo o barulho estridente e triste do meu pranto, o ladrão de nomes pediu trégua, declarou-se arrependido por ter cometido ato tão maldoso. Não me convenceu, mas sem questionamentos, estendi as mãos ainda bem pequenas, mas fortes o bastante para segurar meu nome. Ajustei o chapeuzinho que se entortou durante a movimentação súbita daquele furto. Repeti “Pâmela” algumas vezes para verificar se a pronúncia estava correta e guardei a palavra em maior segurança dentro de mim para que ninguém mais a roubasse e eu jamais me esquecesse da Pâmela que sou. Naquele momento, o silêncio tomou conta do local, nem mesmo as risadas dos adultos podiam ser ouvidas. O Sr. Magela pegou de volta seu nome e sorriu aliviado. 

terça-feira, 10 de maio de 2016

Morada

Quando chegar
entre sem bater na porta.
Quero sua surpresa
seus desavisos em dias comuns.

Quero que me encontre
desprevenida
sem trancas.

Entre, querido
e habite
nesta casa que sou.
Faça dela sua morada.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Jogo de azar

Diga-me,
o que pensa que ganhará neste seu jogo?
É sempre tão previsível, meu bom rapaz.
Sentada diante do tabuleiro,
sou observada por todas as outras competidoras.
Mordo os lábios como quem se concentra
e te encaro como quem deseja o grande prêmio
(você pensa ser o prêmio).
Rio por dentro.

Não seja tão tolo, bonito.

Não quero jogar, não me satisfaz.
Levanto-me sem te desconcentrar,
e me retiro da mesa.
Deixo o espaço vazio para as outras
que esperam ansiosas pela chance delas.

Escrevo um recado no meu lado do tabuleiro:

"Enquanto você não levantar a cabeça,
perdido em suas estratégias tão mal articuladas,
não perceberá, lindo homem,
que a nossa partida terminou
e você perdeu a chance de [me] ganhar.
Não há ganhador quando se joga sozinho...
não há prêmios."

Desejo a você mais azar nos próximo jogos...

e a nós 
toda a sorte no amor, meu bem.

segunda-feira, 28 de março de 2016

A/C Coração

Prezado Coração,

Você que tomou a decisão
e silenciou minha razão.
Tenha agora a santa paciência de esperar.
A estrada que marca a distância
é a mesma que reaproximará.













domingo, 13 de março de 2016

Das (Im)possibilidades

Não fossem as diferenças e aquelas semelhanças perturbadoras.
... o meu momento e o seu momento ou os dias em que nascemos.
Não fossem os nossos passados e presentes e os pensamentos sobre um possível futuro juntos tão divergentes.
Ou, talvez,  o modo como nossas mãos se entrelaçavam e não queriam mais se soltar, os muitos medos e o desejo.
Se não fosse cada "não" ou "sim" de nossos lábios e esses dois coracões atrapalhados.
... ele e ela que nos marcaram, a Lua, o vento, o horário exato que nos conhecemos.
Se não fôssemos você e eu...

Penso que haveria uma possibilidade de acontecer.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Fotografia

Se eu escrever sobre o amor,
não pense que escrevo sobre nós dois.
Não, querido.
Não há mais o lirismo,
chegou ao fim nossa poesia.

Se eu cantar o amor,
Não pense que é para que me escute.
Não, querido.
Nossas vozes desafinaram,
perderam o tom
da nossa velha canção.

Se eu sorrir quando me olhares,
verás que não é o mesmo sorriso que conhecia.
Aquele sorriso era só seu, aquela mulher era só sua.

Se eu chorar de amor,
Não pense que ainda é por você.
Não confunda, querido.

Já não somos os mesmos daquela fotografia.
Somos outros
e para outros.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Sobre o Amor

Quando as lembranças já não são tão claras e as vistas estão embaçadas, as mãos sentem-se fracas e o caminhar torna-se mais lento, o coração responde que ainda é tempo de viver o amor existe e persiste dentro de nós. O mesmo amor que outrora deixamos de expressar, ou que a rotina parecia abafar e as responsabilidades insistiam em adiar. O amor que optamos por ignorar, pois tivemos receio de sentir, exatamente por ter noção de sua intensidade. Ele sempre esteve ali, gritando em alto e bom tom, mas só agora nos acalmamos. O corpo demonstra suas fragilidades, o ego silencia, as vaidades são desconstruídas e, então, podemos ouvi-lo: “Anete, quanto tempo... Estava com saudade!”. Os olhos de ambos brilharam e não se importavam se estavam sendo observados. Ele deu um sorriso tímido de canto de boca e ela o olhava com admiração sincera. Os cabelos ruivos, o perfume e o sorriso espontâneo de Josiane lhe trouxeram a doce lembrança de sua Anete. Por um instante, percebemos que o amor não se ausentou, mesmo com o passar dos anos, e que Anete sempre esteve presente no vivo coração do Sr. Antônio.

Texto dedicado aos senhores e senhoras do Asilo São Vicente de Paula.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Hoje criei um blog, há meses eu vinha namorando a ideia. Por enquanto é apenas uma extensão dos meus cadernos de escrita. Costumo carregar um deles comigo porque sei que a qualquer hora, em qualquer lugar, me virá aquela vontade repentina e desesperada de escrever: um fato, um ato, uma pessoa que por acaso eu encontro e me encanto, o seu sorriso, a injustiça que passa o menino, o abraço dos amantes, as dores aos quais somos submetidos, os seres humanos e seus ritos. Seria uma simples vontade? Talvez uma necessidade. Se não escrevo, me inquieto, me apresso, faço um manifesto interior, sinto que há algo a ser concluído em mim. Se escrevo, sou saciada, vem a calmaria. Respiro fundo e consigo continuar a caminhada que é a vida. Quero uma água sem gás e, por favor, traga-me uma caneta. Melhor...traga apenas a água, me lembrei que agora tenho um blog e quero lhe dar uma chance

Divisão de Bens

Ao menos algumas lágrima poderiam cair dos olhos daqueles que um dia se amaram. Ao menos as lembranças dos momentos em que ele lhe abraçava para lhe dar abrigo e amor e dos olhares ternos dela, que por tantas vezes o ajudou a acreditar em si mesmo e persistir.
Os "bens" (que fizeram um ao outro) são de guarda compartilhada, mas lembraram-se apenas dos outros bens, aqueles de valor monetário. Destes, cada um perdeu a metade. Daqueles, perderam tudo.
EnFim, cada um está só.