Estávamos em uma Kombi branca com gente o bastante para ocupar todos os seus bancos, mas só consigo me
lembrar de três: eu, meu tio e o “ladrão de nomes”. Aos quatro anos, eu era uma
criança pouco comunicativa, chorona e brava – especialmente com quem eu não
conhecia - embora estivesse sempre cercada de muita gente. Os amigos de meus
pais costumavam passar muito tempo com minha família, em casa ou nas viagens.
Aprendi a gostar da companhia deles, eram meus tios do coração. Naquele dia,
entretanto, havia um entre eles que ainda era desconhecido para mim. Seu nome
era Magela, muito alegre e divertido na opinião dos adultos ali presentes,
muito chato e inconveniente na opinião da criança que eu era. Ele tentou conversar
comigo e chamar minha atenção utilizando de todo o seu repertório de
brincadeiras na tentativa de me fazer sorrir, mas eu não achava graça em nada
do que aquele senhor falava e fazia. Não satisfeito e muita sagaz, ele foi
cruel ao dar sua cartada final. O senhor desconhecido propôs uma troca de
nossos nomes que foi rejeitada por mim rapidamente. Ele insistiu, tomou a
decisão e executou a troca como num passe de mágica, antes mesmo que eu pudesse
pensar num modo de me proteger. Daquele dia em diante, ele se chamaria Pâmelo e
eu Magela. Sim, estava feito. Ele trocou nossos nomes sem o meu consentimento,
roubou minha palavra. Era um ladrão de nomes. Eu argumentava enquanto ele dizia
não ter mais jeito. Me senti perdida, angustiada, em busca das letrinhas na
tentativa de recuperar o nome que o papai me deu.
Em meio aos soluços e lágrimas, imaginei
o que seria viver sem ser a Pâmela. Mamãe sempre me dizia que sem o chapeuzinho
no “a”, meu nome seria Pamela, com a mesma sonoridade de “panela” e eu nunca me
esquecia de dizer isso às pessoas que perguntavam como eu me chamava. Será que
o “ladrão de nomes” se lembraria disso? Colocaria o chapeuzinho em seu devido
lugar ou o deixaria guardado no armário? Papai me ensinou que Pâmela significa
“doce como mel” e embora eu não revelasse minha doçura a todos, aprendi a
gostar do meu nome desde a primeira vez que o ouvi e ainda hoje acredito no poder
que esta palavra exerce sobre mim.
Não tendo mais argumentos que convencessem o Sr.Pâmelo,
caí em prantos, inconsolável. Era um choro alto, de perda e de luto. O
significado de Magela eu desconhecia e nenhum chapeuzinho ele tinha, o que me
fazia sentir mais perdida. Em poucos minutos ouvindo o barulho estridente e
triste do meu pranto, o ladrão de nomes pediu trégua, declarou-se arrependido
por ter cometido ato tão maldoso. Não me convenceu, mas sem questionamentos,
estendi as mãos ainda bem pequenas, mas fortes o bastante para segurar meu
nome. Ajustei o chapeuzinho que se entortou durante a movimentação súbita
daquele furto. Repeti “Pâmela” algumas vezes para verificar se a pronúncia
estava correta e guardei a palavra em maior segurança dentro de mim para que
ninguém mais a roubasse e eu jamais me esquecesse da Pâmela que sou. Naquele
momento, o silêncio tomou conta do local, nem mesmo as risadas dos adultos
podiam ser ouvidas. O Sr. Magela pegou de volta seu nome e sorriu aliviado.
Lindo!!! 😀
ResponderExcluirObrigada, Dan. :)
ExcluirTTTTTTTTTT_TTTTTTTTTT Que texto maravilhoso!!! Manda pro Suplemento Literário!
ResponderExcluirhahahahahaha quem me dera. Obrigada, querido.
ExcluirAcho esse texto muito lindo. Tanto por seu grau de confidencialidade quanto de literariedade. E o título é simplesmente perfeito! Adoro ter comigo uma escritora como você! S2
ResponderExcluirVocê é uma fonte de inspiração pra mim, poeta (do meu coração). <3
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