Acorda e por alguns minutos ensaia levantar-se da cama. Quando finalmente se encoraja, sua primeira vontade é de ligar para ele, mas prefere aguardar um pouco, pois sua voz ainda está rouca e ela não quer que ele a escute assim. Lava o rosto, troca de roupa e desce as escadas ansiosa pelo café, mas percebe que foi a primeira da casa a despertar e ainda terá de prepará-lo. Os pães também precisam ser comprados e a caminhada até a padaria a desanima, o que a faz adiar o café matinal, apesar da fome. Ela sente saudades da época em que tudo já estava na mesa quando acordava, mas há muito tempo a vida já exige dela independência. Aos 28 anos, já era tempo de não sentir mais falta das regalias de quando era menina, principalmente pelo fato de já ter morado sozinha. Agora que retornou para a casa do pai, percebe o quanto tudo mudou por ali e só ela que ainda não tinha experimentado essas mudanças. É tempo de encará-las: a ausência diária da mãe, a autonomia das irmãs, as novas posturas do pai frente à vida e até a falta de divisão nos afazeres domésticos. E ela que pensou no ano anterior que não suportaria tudo que estava por vir, hoje sente-se bem, inteira, feliz, embora ainda sinta as dores e as sensações tristes deixadas pelos últimos acontecimentos de sua vida. Sabe bem que assim como as feridas, elas levam tempo para sarar. Em meio às suas reflexões, não percebe que a “mesa do café” foi preparada. Com a caneta na mão, apoiada sobre seu caderno, se põe a escrever, uma prática que deixou de lado por alguns meses e que sempre lhe fez muito bem. Em seguida, faz uma breve interrupção em seu texto e liga para ele, o dono da voz que despertou seu coração de um sono longo e profundo. Escuta as palavras que ele diz como quem degusta uma sobremesa saborosa e desliga sorrindo. Seu café da manhã não poderia ser melhor, feito das palavras que acabara de ouvir e saborear e daquelas que agora escreve para saciar sua fome.